domingo, 29 de janeiro de 2023

Entrevista Jornal Ilha Maior. Porto Comercial de São Roque do Pico







Foi deputado e após ter abandonado a actividade parlamentar não voltámos a abordar algumas questões relacionados com a ilha do Pico, às quais se mantém atento e interessado.

Sendo um especialista em atividade portuária e atendendo ao projeto previsto para o Porto de São Roque gostaríamos de aprofundar o assunto na edição desta semana do jornal Ilha Maior.

Nesse sentido, gostaríamos de perceber a sua opinião sobre o investimento programado para aquela infraestrutura colocando a s seguintes questões:

1. Será correto afirmar-se que o Porto Comercial do Pico tem estado sujeito a um eterno esquecimento?
Trata-se de uma construção da década de 1980, que na sua versão inicial, tinha cerca de 180 mts e proteção frontal da cabeça. Ao longo dos anos muito se trabalhou na consolidação do atual porto e na busca de uma solução para a concretização de um segundo posto de acostagem. Em 2003/4, procedeu-se à substituição da cabeça de tronco cónica por uma vertical, constituída por caixotões. As condições operacionais pioraram, porque esta nova cabeça, contrariamente à anterior, não tinha, nem tem, proteção frontal. A partir de 2008, três propostas da Consulmar. 2011 a 2013, nova proposta da Consulmar, tendo esta chegado à fase de ensaio no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. 2013/14/15, quatro propostas da Consulmar. 2016/17, duas propostas da WW. Todas estas propostas foram abandonadas por questões de operacionalidade/manobra e de segurança. Houve também propostas para a Baía de S. Roque que foram abandonadas porque, passariam a ser dois “portecos”, distando entre si cerca de 1 Km, o que implicaria complicados problemas de gestão e de custos e, não evitaria as obras de consolidação e proteção do porto atual. 2013/14, logo após a construção da rampa RORO, foi executada, com tetrapedos, a obra de reforço da proteção exterior do molhe cortina, desde a cota -6 e, desde a curva até à cabeça. 2018, intervenção para reabilitação e melhoria do sistema de amarração do porto. Obra dividida em três fases:
1 – Construção de uma nova secção superior da viga de coroamento do cais acostável;
2 – Instalação, na vertical, de perfis metálicos, em toda a altura do cais e em todas as fiadas de blocos, desde a rampa RORO até aos caixotões da cabeça, tendo como objetivo garantir a ligação e consolidação entre todos;
3 – Colocação de novos cabeços de amarração.

2. Faz falta o aumento do cais acostável para a operação simultânea de dois barcos, um de passageiros e outro de carga, por exemplo, e o reforço da cabeça do molhe, mas a prioridade foi virada para a baía do Cais do Pico. Faz sentido neste momento?

Não faz, nem nunca fez sentido. Os portos são os motores da economia de um país ou região e os navios são o principal meio de entrega. À medida que os países e as regiões se desenvolvem e as suas economias crescem, a dependência de navios e portos também cresce. Qualquer obra portuária tem de ter por objectivo, entre outros: Impulsionar a competitividade e o desenvolvimento económico; assegurar a mobilidade de pessoas e bens, a preços aceitáveis, mas reais, com eficiência; promover a coesão social; adequar os modelos e os custos de exploração às receitas; gerir com racionalidade os dinheiros públicos e, dar prioridade aos projetos estruturantes. Porque só assim se consegue: Promover o funcionamento eficiente da economia; dimensionar os Sistemas Portuários, Aeroportuários e de Transportes às necessidades e às capacidades financeiras da Região, única forma de dar resposta adequada à procura pura de transporte e à mobilidade global e, promover a articulação correta entre as políticas de transporte e as restantes políticas económicas. A proposta do 13ª. Governo Regional não só não responde às questões referidas, como também, não salvaguarda o futuro do nó logístico de S. Roque do Pico ao não garantir que este dê resposta a novas e previsíveis solicitações. 


3. A solução apresentada é a melhor, ou a criação de um segundo pontão daria outras garantias ao tráfego de passageiros e de carga em simultâneo?

Como se viu, a resolução do nó logístico portuário de S. Roque do Pico nunca deixou de estar na ordem do dia. Porque, se a pretensão for o prolongamento do atual porto comercial, trata-se de uma obra de elevadíssimos custos e de grande complexidade técnica, importa analisar outras possibilidades. Muitas outras possibilidades já foram estudadas. A primeira em julho de 2008 e a última em fevereiro de 2019. Porque esta não é uma obra fácil, todas foram chumbadas por razões operacionais e/ou de manobra.
A proposta apresentada pelo 13ª. Governo Regional, dá resposta a uma legítima pretensão local, o prolongamento da Avenida do Mar e o reordenamento da frente marítima que, estou em crer, todos defendemos. A questão é que o Porto Comercial do Pico exige muito mais do que uma visão local, exige uma visão de ilha e, estou em crer que é possível conciliar as duas.
Porque não existem soluções ideais, julgo que a proposta que agora apresento, ao resolver, em simultâneo o segundo posto de acostagem para navios de médio porte, o Núcleo de Recreio Náutico e o Núcleo de Pesca, fundamentais para o desenvolvimento do Porto Comercial do Pico e da Vila de S. Roque, merece ser analisada. Atenção; trata-se de uma proposta, nada mais, pelo que carece de estudos técnicos devidamente fundamentados.
A proposta que agora apresento resulta, por um lado, da análise de todas as anteriores propostas e, por outro lado, da experiência adquirida desde 1991, ano em que comecei a operar no porto comercial atual. Trata-se de refazer e reforçar a cabeça do atual porto comercial, extremamente fragilizada, dando-lhe uma forma que permita dispersar a energia em radial, por forma a reduzir a agitação marítima dentro do porto. Construir um novo molhe-cais, enraizado a norte da rampa da baleia e sem destruir esta, acostável pelos dois lados, com separador central para evitar galgamentos e separar diferentes valências. Esta proposta, com visão de ilha, em nada colide com os objetivos da visão local. 


A agitação marítima encontra-se concentrada em duas “janelas” em torno dos rumos N e E, figura 1. A largura destas “janelas”, correspondentes aos rumos onde se verificam ocorrências de agitação com mais significado, é da ordem dos 45 graus, abrangendo os rumos N / NNW uma e E / ESE a  outra. A frequência dos rumos correspondentes às “janelas” atrás referidas situa-se entre os 7% e os 9% para o conjunto E / ESE e entre os 70% e os 72% para o conjunto N /NNW, (Consulmar/Eng. Abecassis).
Como todos os portos de mar e, à semelhança do que acontece com os restantes portos dos Açores, terá a inevitável exposição, ao mar e vento do quadrante E, apesar de tudo o menos penalizador porque, menos frequente, como se pode ler no parágrafo anterior.

3. Podemos estar a matar o porto comercial do Pico?

Nunca, como agora, em momento algum, se abandonou o objetivo de construir um segundo posto de acostagem, para navios de médio porte, porque. Essa será a morte deste porto e da economia do Pico.

4. Que benefícios se colherão desta grande intervenção na baía do Cais do Pico?

Os benefícios serão apenas a resposta dada à visão local, esquecendo, completamente, a visão ilha e o seu futuro. Como desculpa para permitir o prolongamento da Avenida do Mar, obra que reputo da maior importância, sabe a pouco. Um Núcleo de Recreio Náutico, é isso que é, nada mais. É grave, muito grave, nem incluir a proteção da cabeça do atual molhe. Esta questão é da maior relevância porque a atual encontra-se, lentamente, em movimento de rotação para E. Sem esta obra poderemos ter aqui, à semelhança do que ocorreu no Porto das Lajes das Flores, um desenvolvimento dramático.


5. O que está previsto para a baía poderá condicionar a operacionalidade do porto, sobretudo com o aumento esperado de carga?

Seguramente que sim. Com a obra prevista não é possível vir a acomodar solicitações, algumas já sentidas e fortemente penalizadoras da nossa economia, como os cruzeiros temáticos, e futuras, que surgirão com a nova conserveira, em construção, com capacidade de produzir 28 milhões de latas de conserva anualmente, vai ter de importar atum congelado a granel. Nem nas melhores safras conseguiremos, localmente, atingir os 15% de matéria prima. Como se verificou no passado, tal situação origina o congestionamento total do atual porto originando uma forte penalização para os nossos empresários e para o desejado desenvolvimento do Pico.
Tal objetivo só será atingido se, em circunstância alguma, se abandonar a construção de um segundo posto de acostagem para navios de médio porte.
A solução por mim proposta, pese embora careça de profundo estudo técnico, garante, com uma única obra, o segundo posto de acostagem, o Núcleo de Pesca e o Núcleo de Recreio Náutico.

É evidente que se, a esta obra, acrescer a consolidação e proteção da cabeça do atual cais comercial, os 30M, serão curtos.
Todavia, porque será que só no Pico é relevante a análise da relação custo/benefício? Deveria ser relevante em todas as ilhas, mas, vá-se lá saber porquê, não é.
Senão vejamos; Soluções propostas pela Portos dos Açores no ESTUDO EM MODELO MATEMÁTICO DA OBRA MARÍTIMA DO PORTO DA HORTA, Laboratório Nacional de Engenharia Civil de julho de 2022; aquisição de alguns equipamentos pesados, nomeadamente gruas, para operação portuária onde não são necessárias, que, do ponto de vista da gestão, correspondem a um ato absolutamente criminoso.
Porque será que aparece sempre alguém que insiste na destruição do Cais do Pico, Porto Velho, quando o mesmo devia estar classificado e protegido legalmente. A sua existência é tão relevante que dá o nome ao local onde se situa.


6. O que está projetado é mais embelezamento da baía ou vai proporcionar oportunidades várias para as atividades marítimas, tanto comerciais como de lazer?

Vai proporcionar o ordenamento da orla costeira e atividades de lazer, o que já não é pouco, mais deixa de lado o Porto Comercial do Pico e o futuro da economia da ilha.

7. Sendo este, o porto comercial do Pico, não devia haver mais empenho na defesa da melhoria da sua operacionalidade e segurança por parte das forças vivas da ilha?

Efetivamente é estranho que algumas entidades, públicas e privadas, nada digam. Não se trata de criticar, mas antes, de contribuir para a solução. Claro que, numa obra desta natureza, nem todas as contribuições serão a solução. Se, enquanto cidadão e picaroto me sinto na obrigação de dar o meu contributo, o que pensarão os associados de algumas instituições se não são chamados a se pronunciar e se, quem os representa, nada faz.
A bem do Pico, que se encontre a melhor solução.