Porquê estar à beira do abismo e
insistir em dar um passo em frente?
No
passado dia 26, a Atlânticoline anulou o concurso
internacional para a construção de dois navios para transporte de passageiros.
Na sequência, em declarações públicas, o Presidente do Conselho de
Administração afirmou; “assegurar a
operação atual com barcos próprios
(e não alugados, como acontece hoje), traduzir-se-á numa poupança anual de 2,5
milhões de euros. Além disso, revelou que os novos barcos terão capacidade para operar também no inverno, mas a possibilidade de isso acontecer só
será avaliada posteriormente”.
Como é sabido, para habilitar o acionista a
tomar uma decisão sobre o transporte de viaturas e passageiros na Região
Autónoma dos Açores, o Conselho de Administração da Atlânticoline pediu a opinião
a vários dos seus departamentos.
Numa leitura muito superficial, devo
dizer que a administração da Atlânticoline está com evidências negativas do
mercado, mas continua a acalentar falsas expectativas com projeções irreais.
Vou-me
centrar nos custos, pois esse será o legado para o futuro.
Pergunto:
Onde está o valor das deslocações para
as docagens? A deslocação deve evidenciar o custo da docagem, certificação,
tripulação e combustível (2 navios). Onde está o valor do P&I? – P&I Club is a mutual insurance
association that provides cover for its members.
Análise
efetuada pelos diferentes departamentos da empresa
É tal a ligeireza e são tantas as
lacunas com que este assunto é abordado que tenho grandes dificuldades em poder
considerar ter havido uma análise competente, séria e sistematizada com base na
qual se possam tomar decisões e planear o futuro, em termos de modelo de
transporte.
Mesmo tendo consciência de que não
adianta malhar em ferro frio ainda assim
vejamos:
DEPARTAMENTO
COMERCIAL E MARKETING
Após a análise do
mercado de viaturas e passageiros, em decréscimo desde pelo menos 2010, a
subscritora sugere que a empresa compre dois navios com a capacidade de 600
passageiros, 100 a 150 viaturas e 15 a 20 contentores e carga rodada. Tudo isto
por cada navio. Que visão é esta sobre a
carga?
Aponta ainda no sentido
de os navios navegarem todo o ano
embora, com regularidade reduzida.
Insiste num modelo de
quantificação do movimento efetuado que, para o transporte marítimo, é único no
mundo do shipping e leva a conclusões
erradas.
Parece ter um objetivo
pouco ambicioso ao não apresentar um mercado alternativo na época baixa para,
pelo menos, um dos navios.
DEPARTAMENTO
OPERACIONAL
“Analisa” as várias
vertentes da exploração e conclui pela aquisição de dois navios em aço com um
máximo de 115 metros de comprimento e Rampas Ro-Ro.
Trata-se de uma análise
demasiado simplista que deixou de fora um conjunto de variáveis fundamentais e
sem as quais não é possível tirar conclusões fiáveis pelo que, não me merece
credibilidade, nem pode merecer a ninguém.
A operacionalidade de
um navio RO-RO durante todo o ano nos nossos portos teria que ser, obrigatoriamente,
profundamente analisada. Portos em mar aberto, como são os nossos, não são
propriamente portos fluviais.
DEPARTAMENTO
FINANCEIRO
O estudo apresenta
vários cenários, mas conclui que apenas um é viável – Investimento de
85.000.000,00€ com recurso a fundos comunitários (85%) e orçamento da RAA
(15%).
Equivale isto a dizer
que haverá uma amortização financeira de 12.750.000,00€ e uma contabilista de
85.000,000,00€
Ainda de acordo com o
estudo, a amortização financeira será de dois anos e a contabilista de 20 anos.
Significa isto que há um custo de amortização contabilista anual de
4.250.000,00€. Como é possível que este custo não seja considerado? É certo que
as contas anuais não serão afetadas por todo este montante porque o mesmo gera
um acréscimo de proveitos de 3.612.500,00€, mas serão afetadas pelo montante de
637.500,00€.
Além disso, o estudo
financeiro aponta para que os navios estejam parados 6 a 7 meses, contrariando a sugestão do departamento de
marketing e as indicações do próprio Governo Regional que sugerem uma
exploração anual. Este departamento não contempla os custos com a exploração
anual dos navios, assim como as respetivas docagens; ida/regresso e combustível
dessa viagem.
Quadro 0 - custos
calculados pela Atlânticoline
Há a considerar ainda
nos custos de exploração os valores abaixo indicados, Quadro 1, e que não estão
enquadrados no estudo:
Quadro
1 - custos não previstos pela Atlânticoline
Serviço
|
Por
Navio
|
Total
2 Navios
|
Observações
|
Manutenção
|
125.000,00€
|
250.000,00€
|
Anual
|
Seguro do casco
|
200.000,00€
|
400.000,00€
|
Anual
|
P & I
|
350.000,00€
|
700.000,00€
|
Anual
|
Docagem Combustível
|
50.000,00€
|
100.000,00€
|
Anual
|
Docagem
|
150.000,00€
|
300.000,00€
|
Anual
|
Tripulação
|
1.200.000,00€
|
2.400.000,00€
|
Anual
|
Staff
|
300.000,00€
|
600.000,00€
|
Anual
|
Total anual de custos,
não quantificado pela Atlânticoline, para os dois navios = 4.750.000,00€.
Do exposto, conclui-se
que o quadro da Atlânticoline, repescado do departamento financeiro da mesma,
não contém todos os custos pelo que deve ser corrigido com os dados do Quadro 1.
Faço notar que,
excluindo os dados do Quadro 1 que foram por mim calculados e que não estavam
devidamente comtemplados no estudo, todos os outros dados resultam da consulta
aos dados fornecidos pelo estudo da Atlânticoline.
Segue-se Quadro 2,
corrigido o quadro 0, com os dados do Quadro 1, considerando todos os custos
fixos envolvidos.
Quadro 2 – Custos reais
|
FORECAST
|
||||||
Rúbricas
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
Total
|
|
Financ. RAA
|
Financ. RAA
|
Financ. RAA
|
Financ. RAA
|
Financ. RAA
|
Financ. RAA
|
|
Fretamento
|
|
|
|
|
|
|
|
Subsídios à exploração
|
7.563,023 €
|
7.563,023 €
|
7.563,023 €
|
7.563,023 €
|
7.563,023 €
|
7.563,023 €
|
45.378,138 €
|
Navios próprios
|
|
|
|
|
|
|
|
Subsídio à exploração
|
6.800,000 €
|
6.300,000 €
|
9.050,000 €
|
9.050,000 €
|
9.050,000 €
|
9.050,000 €
|
49.300,000 €
|
Subsídio ao investimento
|
4.143,750 €
|
8.606,650 €
|
0,000 €
|
0,000 €
|
0,000 €
|
0,000 €
|
12.750,000 €
|
Total
|
10.943,750 €
|
14.906,650 €
|
9.050,000 €
|
9.050,000 €
|
9.050,000 €
|
9.050,000 €
|
62.050,000 €
|
Variação do subsídio à
exploração (fretamentos vs navios próprio)
|
+44,70%
|
+97,09%
|
+19,66%
|
+19,66%
|
+19,66%
|
+19,66%
|
|
Nos dois anos de
investimento/construção, o valor total a atribuir como subsídio de exploração
cresce exponencialmente por incluir o montante de apoio do orçamento da RAA ao
investimento.
Nos anos seguintes, os
valores do subsídio à exploração estão espelhados no quadro 2 e, contrariamente
ao afirmado pelo suposto estudo da Atlânticoline, não diminui como, aliás, não
poderia diminuir.
A par destes custos
fixos, há que perspetivar o seguinte:
·
Receitas dos navios com passageiros e carga
durante todo o ano;
·
Investimento em contentores;
·
Custo de exploração anual do navio nos
restantes meses não contemplados na análise.
A título de exemplo
lembro que a entrada/saída num porto de um navio com as caraterísticas dos
apontados no estudo da Atlânticoline, dependendo das horas de operação, varia
entre 8.000,00€ e 12.500,00€ - considerando apenas os serviços de amarração,
pilotagem, alfândega, capitania e TUP navio.
CONCLUSÃO
Não poderá haver um
investimento, particularmente desta ordem de grandeza e com as implicações que
irá originar, quando os estudos dos vários departamentos da empresa não
coincidem em objetivos e custos, pelo que convinha ter uma análise em duas
vertentes – exploração a 6 e a 12 meses.
Além disso, convém
combinar os prós e os contras, na vertente financeira e de risco, na opção de
operar os navios nos seguintes termos:
·
Seis meses e/ou um ano em condições de
equipamento próprio ou de fretamento.
A imputação de todos os
custos fixos acima referidos, aliados aos variáveis e amortizações, contrapondo
as receitas e subsídios à exploração, irá dar um resultado de exploração muito
diferente do que é indicado e pesando muitos milhões no orçamento da RAA.
Julgo que, sem qualquer
exagero, se deve perguntar:
·
Que
administração é esta que tem uma visão focada só sobre as festas de Agosto?
·
Que
estudo de mercado é este?
·
Quem
suportará os custos, financeiros e humanos, resultantes da destruição dos
atuais armadores do Tráfego Local?
·
Quem
suportará os custos do abastecimento/escoamento de produtos com o exterior da
Região a, no mínimo, 5 Ilhas quando caírem as atuais Obrigações de Serviço
Público?
·
Em
suma; Quem pagará no futuro?
Admitindo que o quadro por mim
apresentado possa não estar absolutamente correto, dado o facto de os dados
recolhidos no estudo da Atlânticoline serem muito imprecisos e pouco fiáveis,
lembro que nenhum estudo, excluindo dados fundamentais e elementares, pode
justificar o injustificável. Não tenhamos ilusões; Existe uma diferença abissal
entre “não dar lucro” e ser um buraco
monumental.