A propósito da reestruturação do Serviço Regional de Saúde
“A saúde é um
direito humano fundamental que nenhuma reestruturação pode pôr em causa.”
Passadas
mais de três décadas de funcionamento do Serviço Regional de Saúde, criado pelo
Decreto Regulamentar Regional n.º 32/80/A, de 11 de Dezembro, e da entrada em
vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 28/99/A, de 31 de
Julho, que, em desenvolvimento dos princípios
estabelecidos pela Lei de Bases da Saúde – Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto – veio reforçar a garantia de acessibilidade
e qualidade dos cuidados de saúde, promovendo modelos de organização
adequados à nossa realidade geográfica, evidenciando-se a adequação do Serviço
à realidade «ilha», unidade base da organização, administração e prestação de
cuidados, procurando dar localmente o máximo de respostas às necessidades de
saúde dos seus utentes.
A entrada em
vigor da Portaria n.º 43/97, de 26 de Junho incrementou
de forma regular a deslocação de médicos da carreira hospitalar aos Centros de
Saúde do Pico, abrindo caminho a uma prestação de cuidados de saúde integrados
e sequenciais e provou que a gestão local é a mais
eficaz.
Criada
pelo Decreto Regulamentar Regional nº35/2002/A, de 21 de Dezembro,
posteriormente alterado pelo Decreto Regulamentar Regional nº 16/2003/A a
Unidade de Saúde da Ilha do Pico tem como atribuições gerais a promoção da
saúde na sua área geográfica e o desenvolvimento de atividades de vigilância
epidemiológica, de formação profissional, de investigação em cuidados de saúde,
de melhoria da qualidade dos cuidados e de avaliação dos resultados da sua
atividade.
Não obstante a
importância e a necessidade de serem ainda encontradas soluções para algumas
questões pontuais, o Pico conseguiu, com a criação da Unidade
de Saúde da Ilha, operacionalizar o sistema local de saúde.
A
proposta de Restruturação do Serviço Regional de Saúde que agora se discute
apresenta um conjunto de ideias interessantes e outras ainda pouco
desenvolvidas. As interessantes não são novidade e as pouco desenvolvidas são,
globalmente, desajustadas. É demasiado genérico para poder ser analisado em
profundidade. Nele não é feito um diagnóstico da situação atual da saúde, sendo que os únicos dados
conhecidos são o déficit
e a dívida.
Sem
esse diagnóstico da situação atual,
torna-se impossível avaliar a relação custo/beneficio das medidas propostas, sendo também, pelas mesmas
razões, impossível propor, conscientemente, outras medidas. O conhecimento da
Carta de Saúde, de 2007, poderia ter sido uma excelente ajuda.
É
certo que trazer este assunto à discussão pública foi um compromisso por nós
assumido, mas também é
certo ser nosso compromisso político descentralizar serviços e criar condições
para novas acessibilidades. Se o primeiro está a ser cumprido o mesmo não se
pode dizer do segundo porque ao desvalorizar os cuidados primários e retirar
serviços de proximidade irá, seguramente, dificultar a vida de muitos açoreanos.
A
proposta não responde a questões vitais e universalmente consagradas como
sejam:
·
Universalidade/cidadãos
abrangidos;
·
Integralidade/garantia
de todos e prestação a todos;
·
Acessibilidade;
·
Equidade/igualdade
dos cidadãos ao acesso;
·
Eficiência/boa
gestão/sem desperdícios.
Por
tudo isto, estou convicto
de que esta proposta ainda não possui o desenvolvimento necessário para ser
colocado em discussão pública e que, antes de tal acontecer, deveria ter sido,
internamente, melhor analisada e debatida. Faço votos de que de toda esta
discussão saia uma reforma que corresponda aos nossos compromissos eleitorais e
à matriz do Partido Socialista.
No que diz respeito aos partos no Pico, importa clarificar que não é
verdade que a Organização Mundial de Saúde afirme que não são seguras as
maternidades que realizem menos de 1500 partos por ano.
São muitos os países que estão a
reconhecer o erro de terem perdido nas últimas décadas as competências
existentes e procuram desenvolver de novo programas de maternidades de
proximidade quando existe um baixo risco obstétrico, com um balanço equilibrado
entre as opções da mulher e da sua família e a segurança necessária em contexto de equidade e
serviço público. Esta questão tem particular relevância num ambiente insular
territorialmente descontínuo.
As unidades obstétricas mais
diferenciadas são absolutamente necessárias apenas para os partos de risco
(materno ou fetal) e tiveram um papel importante para aumentar a sobrevivência
de grandes prematuros e recém-nascidos muito doentes. Contudo, contribuem também para que haja
uma maior probabilidade da grávida ser sujeita a intervenções invasivas mesmo
em partos de baixo risco para além de que vários estudos demonstram que as
pequenas maternidades são seguras e mostram indicadores semelhantes aos das grandes maternidades.
Querer tornar o parto num ato estritamente médico e potencialmente patológico é
um desvio do que devem ser os cuidados médicos de base e proximidade.
Pode portanto assumir-se, porque
científica e estatisticamente comprovado, que o parto de proximidade é
clinicamente aceitável desde que seja de baixo risco, avaliado pelos parâmetros
institucionais; a mulher
o deseje, assumindo o risco; haja profissionais qualificados (já ocorreu a
transposição para o Direito português da legislação europeia que confere às
Enfermeiras com a Especialidade de Saúde Materna e Obstétrica a competência
para realizar partos de baixo risco) e existam mecanismos de transporte de
emergência, ou resposta local, para os casos pouco frequentes em que o risco se
desenvolve intraparto.
Deste modo, não é visível qualquer
impedimento científico para que se não cumpra o compromisso assumido e se possa
voltar a nascer no Pico. Não cumprir o compromisso seria uma falha imperdoável.