sexta-feira, 19 de julho de 2013

A Propósito da Reestruturação de Serviço Regional de Saúde - Publicado no Jornal do Pico a 19 de julho de 2013


A propósito da reestruturação do Serviço Regional de Saúde

“A saúde é um direito humano fundamental que nenhuma reestruturação pode pôr em causa.”

Passadas mais de três décadas de funcionamento do Serviço Regional de Saúde, criado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 32/80/A, de 11 de Dezembro, e da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 28/99/A, de 31 de Julho, que, em desenvolvimento dos princípios estabelecidos pela Lei de Bases da Saúde – Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto – veio reforçar a garantia de acessibilidade e qualidade dos cuidados de saúde, promovendo modelos de organização adequados à nossa realidade geográfica, evidenciando-se a adequação do Serviço à realidade «ilha», unidade base da organização, administração e prestação de cuidados, procurando dar localmente o máximo de respostas às necessidades de saúde dos seus utentes.

A entrada em vigor da Portaria n.º 43/97, de 26 de Junho incrementou de forma regular a deslocação de médicos da carreira hospitalar aos Centros de Saúde do Pico, abrindo caminho a uma prestação de cuidados de saúde integrados e sequenciais e provou que a gestão local é a mais eficaz.

Criada pelo Decreto Regulamentar Regional nº35/2002/A, de 21 de Dezembro, posteriormente alterado pelo Decreto Regulamentar Regional nº 16/2003/A a Unidade de Saúde da Ilha do Pico tem como atribuições gerais a promoção da saúde na sua área geográfica e o desenvolvimento de atividades de vigilância epidemiológica, de formação profissional, de investigação em cuidados de saúde, de melhoria da qualidade dos cuidados e de avaliação dos resultados da sua atividade.

Não obstante a importância e a necessidade de serem ainda encontradas soluções para algumas questões pontuais, o Pico conseguiu, com a criação da Unidade de Saúde da Ilha, operacionalizar o sistema local de saúde.

A proposta de Restruturação do Serviço Regional de Saúde que agora se discute apresenta um conjunto de ideias interessantes e outras ainda pouco desenvolvidas. As interessantes não são novidade e as pouco desenvolvidas são, globalmente, desajustadas. É demasiado genérico para poder ser analisado em profundidade. Nele não é feito um diagnóstico da situação atual da saúde, sendo que os únicos dados conhecidos são o déficit e a dívida.

Sem esse diagnóstico da situação atual, torna-se impossível avaliar a relação custo/beneficio das medidas propostas, sendo também, pelas mesmas razões, impossível propor, conscientemente, outras medidas. O conhecimento da Carta de Saúde, de 2007, poderia ter sido uma excelente ajuda.

É certo que trazer este assunto à discussão pública foi um compromisso por nós assumido, mas também é certo ser nosso compromisso político descentralizar serviços e criar condições para novas acessibilidades. Se o primeiro está a ser cumprido o mesmo não se pode dizer do segundo porque ao desvalorizar os cuidados primários e retirar serviços de proximidade irá, seguramente, dificultar a vida de muitos açoreanos.

A proposta não responde a questões vitais e universalmente consagradas como sejam:

·        Universalidade/cidadãos abrangidos;

·        Integralidade/garantia de todos e prestação a todos;

·        Acessibilidade;

·        Equidade/igualdade dos cidadãos ao acesso;

·        Eficiência/boa gestão/sem desperdícios.

Por tudo isto, estou convicto de que esta proposta ainda não possui o desenvolvimento necessário para ser colocado em discussão pública e que, antes de tal acontecer, deveria ter sido, internamente, melhor analisada e debatida. Faço votos de que de toda esta discussão saia uma reforma que corresponda aos nossos compromissos eleitorais e à matriz do Partido Socialista.

No que diz respeito aos partos no Pico, importa clarificar que não é verdade que a Organização Mundial de Saúde afirme que não são seguras as maternidades que realizem menos de 1500 partos por ano.

 

São muitos os países que estão a reconhecer o erro de terem perdido nas últimas décadas as competências existentes e procuram desenvolver de novo programas de maternidades de proximidade quando existe um baixo risco obstétrico, com um balanço equilibrado entre as opções da mulher e da sua família e a segurança necessária em contexto de equidade e serviço público. Esta questão tem particular relevância num ambiente insular territorialmente descontínuo.

 

As unidades obstétricas mais diferenciadas são absolutamente necessárias apenas para os partos de risco (materno ou fetal) e tiveram um papel importante para aumentar a sobrevivência de grandes prematuros e recém-nascidos muito doentes. Contudo, contribuem também para que haja uma maior probabilidade da grávida ser sujeita a intervenções invasivas mesmo em partos de baixo risco para além de que vários estudos demonstram que as pequenas maternidades são seguras e mostram indicadores semelhantes aos das grandes maternidades. Querer tornar o parto num ato estritamente médico e potencialmente patológico é um desvio do que devem ser os cuidados médicos de base e proximidade.

 

Pode portanto assumir-se, porque científica e estatisticamente comprovado, que o parto de proximidade é clinicamente aceitável desde que seja de baixo risco, avaliado pelos parâmetros institucionais; a mulher o deseje, assumindo o risco; haja profissionais qualificados (já ocorreu a transposição para o Direito português da legislação europeia que confere às Enfermeiras com a Especialidade de Saúde Materna e Obstétrica a competência para realizar partos de baixo risco) e existam mecanismos de transporte de emergência, ou resposta local, para os casos pouco frequentes em que o risco se desenvolve intraparto.

 

Deste modo, não é visível qualquer impedimento científico para que se não cumpra o compromisso assumido e se possa voltar a nascer no Pico. Não cumprir o compromisso seria uma falha imperdoável.