sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Malhando em ferro frio - Publicado no Jornal do Pico a 28 de fevereiro de 2014


Malhando em ferro frio

Se bem me lembro “, desde sempre, chamei a atenção para a necessidade de sermos criteriosos e responsáveis na utilização dos dinheiros públicos, utilizando-os com a máxima racionalidade, sendo certo que tal não é possível sem um conhecimento aprofundado das necessidades da Região e da forma como lhes dar resposta.



Vem isto a propósito da Resolução nº. 9/2014 aprovada em Conselho do Governo no passado dia 20 de Janeiro que, alterando o contrato de gestão de serviços de interesse económico geral relativo à construção e exploração de navios de transporte de veículos e passageiros entre as ilhas do arquipélago dos Açores, autoriza a empresa pública Atlânticoline a avançar com um concurso público internacional para a construção de dois navios com capacidade para 650 passageiros e 150 viaturas e cujo custo global rondará os 85 milhões de euros.



Como é sabido, a Região não necessita, nunca necessitou e nunca necessitará de dois Ferrys de médio porte. Torna-se embaraçoso referir as taxas de ocupação desses dois navios ao longo destes anos em que a operação decorreu. Convém no entanto referir que, considerando os 9 meses de operação – 6 meses de um navio e 3 do outro – e as respetivas escalas, o total de lugares disponibilizados ultrapassa os 2 milhões para um total de passageiros transportados que não ultrapassa os 50 mil ou seja 2,5% de taxa de ocupação. Acresce, é público e publicado, que a faturação da Atlânticoline não chegou para pagar o combustível. Pode-se pois concluir que com tal misera taxa de ocupação o custo passageiro/milha será, muito provavelmente, o mais caro do mundo.



É pois, do meu ponto de vista, absolutamente incompreensível que se avance para a construção de dois novos navios, com as características atrás referidas sem, tendo por base níveis de serviço adequados, definir o modelo a implementar, cumprindo a máxima do Governo; “ ajustar a oferta à procura “. O resultado era suposto ser um modelo funcionando verdadeiramente articulado, com mais escalas, mas sem duplicações e oferta excessiva e inútil. Importa não esquecer que tudo o que é excessivo e inútil se traduz em custos também eles excessivos e inúteis.

A Região só deve possuir os meios próprios de transporte que necessita para dar resposta às suas necessidades permanentes. Apesar dos elevados custos de exploração praticam-se, e bem, no transporte regular regional de passageiros, utilizando a via marítima, tarifas sociais subsidiados. É nesse contexto – resposta subsidiada às necessidades permanentes – que surgem, e bem, os dois novos navios para substituir os Cruzeiros.

Não é contudo para dar resposta a necessidades permanentes que surgirão os dois navios referidos na Resolução. Não será também com a respetiva faturação que se fará face aos custos em jogo. Teremos assim um “modelo” profundamente desajustado, pago por todos nós e mais grave do que tudo isto é o facto de daí não advir nenhuma mais-valia para a Região porque, na dimensão proposta, como atrás se viu, dele não necessitamos.

A título de exemplo refira-se que um navio porta-contentores inter-ilhas, com mais ou menos as mesmas dimensões, pese embora tenha uma faturação anual próxima dos 6 milhões de euros, apresenta um défice anual entre 4,8 e 5 milhões de euros.

Qual o défice anual que apresentarão estes dois navios? Reconheço que, infelizmente, a pergunta parece ser irrelevante. Serão sempre os mesmos a, direta ou indiretamente, pagar.